quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Noites de campo com a cagarra: desafios e aprendizagens

 


No início de agosto participei na fase de colocação de dispositivos GPS e GLS em adultos de Calonectris borealis (cagarra). Os GPS-loggers, fixados no dorso, registam posições de alta precisão e permitem mapear áreas de alimentação e trajetórias diárias; os GLS (geolocalizadores), muito mais leves e geralmente aplicados na pata, estimam a posição através dos níveis de luz, fornecendo informações valiosas sobre as rotas migratórias anuais. 

O trabalho de campo decorre quase exclusivamente à noite, quando os adultos regressam ao ninho. A captura manual, a fixação do dispositivo e a libertação seguem protocolos padronizados e devem ser rápidas, para reduzir ao mínimo o stress do animal. É um processo técnico e delicado, mas também fascinante: poucas vezes na minha vida trabalhei num contexto semelhante, sob a Via Láctea ou a lua refletida no mar, com o característico chamamento das cagarras como banda sonora.

Esse som é tão particular que desperta a curiosidade de quem o ouve: muitas vezes, quando falo desta experiência, as pessoas contam-me que o ouviram em noites na Madeira sem saber a que espécie pertencia. Mostram fotografias tiradas durante as suas viagens e ficam surpreendidas ao descobrir que aquele chamamento vem da cagarra. Partilhar este trabalho transforma-se, assim, num verdadeiro instrumento de sensibilização, que abre espaço para o diálogo e para o interesse pela espécie e pelas ameaças que enfrenta.

No final do mês participei na campanha de recovery, que durou duas semanas, com turnos noturnos repetidos para recuperar os dispositivos e verificar os ninhos. Esta é a parte mais difícil: os regressos dos adultos não são sempre previsíveis e, quando os crias morrem, muitas vezes não regressam de todo. Nessas situações perdem-se não apenas as crias, mas também os dados dos loggers. Outras vezes, os adultos regressam mas o dispositivo cai: é frustrante não recuperar dados, mas pelo menos há maior probabilidade de a cria sobreviver e de poder ser acompanhada no futuro através da anilhagem.

Os monitorizações aos ninhos, apoiadas também por câmaras, confirmaram outro grande desafio: a predação por espécies introduzidas, em particular ratos e gatos assilvestrados, que continuam a ser uma das principais causas de perda de crias. É por isso que as atividades de biotracking estão intimamente ligadas ao projeto STOP Predators, que procura reduzir a pressão dos predadores sobre as colónias e melhorar o sucesso reprodutivo da espécie.

Do ponto de vista pessoal, esta experiência foi um verdadeiro desafio. Temia não conseguir lidar com turnos noturnos tão exigentes em terrenos difíceis, mas acabei por descobrir que podia ultrapassar os meus limites tanto que, nos dias sem campo, cheguei a sentir falta dessa rotina noturna. Claro, foi cansativo mudar de ritmo e trabalhar sempre à noite, mas o valor da experiência superou o cansaço. Ter ao meu lado um supervisor experiente deu-me segurança e, apenas observando o seu método de trabalho, aprendi imenso.

Em síntese, o trabalho com Calonectris borealis mostrou-me a força e a fragilidade destes estudos: cada dispositivo recuperado é uma janela aberta para o mar e para a vida destas aves, mas cada perda recorda o quanto a sobrevivência das crias é determinante. É um projeto cientificamente complexo e logisticamente exigente, mas que deixa uma marca profunda também a nível pessoal.





 English version

In early August, I took part in the deployment of GPS and GLS devices on adult Calonectris borealis (Cory’s shearwater). GPS-loggers, mounted on the back, record high-precision positions and allow us to map foraging areas and daily trajectories; GLS (geolocators), much lighter and usually attached to the leg, estimate position through light levels, providing valuable information on long-term migratory routes.

Fieldwork takes place almost exclusively at night, when adults return to their burrows. Capture, tag attachment and release follow strict protocols and are carried out quickly to minimise stress on the bird. It is a technical and delicate process, but also a fascinating one: rarely in my life have I worked in such a setting, under the Milky Way or the moon reflected on the ocean, with the characteristic calls of Cory’s shearwaters echoing in the background.

That call is so unique that it sparks curiosity in anyone who hears it. Often, when I talk about this experience, people tell me they have heard it during nights in Madeira without knowing what species it belonged to. They show me pictures from their trips and are surprised to discover that the eerie sound comes from the shearwater. Sharing this story becomes, in itself, a tool for awareness: it is not only about recounting a personal experience, but about opening a dialogue where people become engaged and want to learn more about the species and the threats it faces.

At the end of the month, I joined the recovery campaign, which lasted two weeks and involved repeated night shifts to retrieve devices and check burrows. This is the hardest part: adult returns are not always predictable, and when chicks are lost, parents often do not return at all. In these cases, not only the chicks but also valuable data are lost. Sometimes adults return but the logger falls off: it is disappointing not to recover data, but at least the chick has a higher chance of survival and can be tracked in the future through ringing.

Burrow monitoring, also supported by cameras, revealed another major challenge: predation by introduced species, particularly rats and feral cats, which remain one of the main causes of chick mortality. This is why biotracking is closely connected to the STOP Predators project, aimed at reducing predator pressure on colonies and improving breeding success.

On a personal level, this experience was a true challenge. I feared I would not be able to cope with demanding night shifts in rough terrain, but I discovered that I could push past my limits to the point that, on days without fieldwork, I almost missed that nocturnal routine. It was tiring to change rhythm and work exclusively at night, but the value of the experience outweighed the fatigue. Having an experienced supervisor by my side gave me confidence and, simply by observing his way of working, I learned a great deal.

In summary, working with Calonectris borealis showed me both the strength and the fragility of these studies: each recovered device is a window into the ocean and into the life of these seabirds, but each loss is a reminder that chick survival is key. It is a scientifically complex and logistically demanding project, but one that also leaves a profound personal mark.




Valeria Basciu

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