sexta-feira, 30 de abril de 2021

Bycatch (II)

A captura acidental continua a perturbar o meu sono, temática já abordada no artigo Bycatch

 Recapitulando, a captura acidental é a captura de espécies que não eram previstas serem capturadas. Mas porque que estas capturas acontecem? Várias são as causas: seja por práticas não regulamentadas, pesca descuidada, ou técnicas não científicas. As espécies não alvo, atraídas pelas iscas acabam por ser capturadas, mas não tem que ser assim. Para percebermos melhor como podemos minimizar este problema, temos que compreender melhor as técnicas de pesca e de artes que existem e provocam estas capturas acidentais. 

Existem centenas de técnicas e artes de pescas, dependo do tipo de espécie alvo a ser capturada. Estas técnicas podem diferir por questões demográficas, culturais ou imposição legislativa de cada de país. De forma a perceber melhor o que se passa na ilha da Madeira, guiei a minha pesquisa para a realidade da Região. Assim, a tabela seguinte, de forma sucinta, expõe as artes de pesca e grupos-alvo de pesca mais usadas por embarcações na Região autónoma da Madeira:

Artes de Pesca

Grupos-Alvo

Salto e Vara

Tunídeos

Rede de Cerco

Pelágicos costeiros

Palangre derivante

Recursos de profundidade

Palangre de fundo

Peixes demersais

 


Técnicas populares noutros territórios, como as técnicas de arrastar ou arrasto, técnicas de emalhar ou de redes de tresmalho, estão proibidas nas águas subáreas da Madeira e da Zona económica exclusiva (ZEE).

Dados estatísticos, de 2019 revelam que nesses anos, foram capturadas 8 024 toneladas de peixe. Estes peixes centram-se em 4 grandes grupos: Atum e similares, Cavala, Chicharro e Peixe-espada preto. Em 2019 estavam também registadas 417 embarcações de pesca (Fonte: INE/DREM, Anuário Estatístico da Madeira, 2019).


Algumas das técnicas: Pesca de cerco; Pesca de palangre e Pesca de Fundo.


Como é óbvio, a pesca não pode acabar. Para além de ser uma importante fonte de alimentação da população trata-se também de uma importante fonte receita. Em 2019, na Região Autónoma da Madeira, gerou uma receita de 22 133 milhares de euros, sem considerar moluscos, nem produção em aquacultura (Fonte: INE/DREM, Anuário Estatístico da Madeira, 2019).

 

Mas como evitamos ou minimizamos a captura acidental de espécies, sem prejudicar a pescaria nem a economia local?  Até agora não há uma solução ótima para resolver este problema, porém existem diversas soluções inteligentes, seja do ponto de vista ambiental, seja do ponto de vista económico, que ajudam a mitigar este problema, e contribuem para uma pesca mais seletiva. 


Apresento assim, apenas alguns exemplos de métodos de pesca seletiva que podem reduzir significativamente as capturas acidentais:

-Substituição do anzol tradicional (em formato “J”) pelo anzol circular que evite que as tartarugas marinhas e outros animais  marinhos sejam fisgados; 

-Abertura nas redes para que as tartarugas possam nadar por cima e para fora;

-Sinais sonoros, luminosos, e uso de cheiros para dissuadir espécies não alvo (o uso de cheiros para dissuadir tubarões do isco em linhas longas);

 Para as aves marinhas:

-As iscas podem ser pintadas de forma a torná-las menos visível na água;

-Colocação de linhas com serpentinas. Consiste em colocar um cabo, simples ou duplo, com fitas coloridas penduradas por cima do local de largada do palangre;



-Colocar palangres durante a noite, nas capturas noturnas as aves estão menos ativas;



-Luzes sinalizadoras. As linhas e redes são praticamente invisíveis para as aves debaixo da água. Deve-se sinalizar as linhas e redes, de forma que as aves consigam evitar;



-Papagaio afugentador. Dispositivos afugentadores em forma de ave de rapina. O objetivo é que as aves, na suposta presença de um predador não se aproximem da arte de pesca e assim não fiquem presas nos anzóis;



-Boias sinalizadoras. Funciona como o papagaio, é uma alternativa ao papagaio.





Em suma, temos que ter presente que a pesca sustentável não significa apenas capturar a quantidade da espécie desejada que não coloque em risco o stock. Significa também evitar as capturas acidentais que mutilam e matam grandes números de fauna aquática, e nalguns casos colocando muitas espécies em perigo de extinção. A ideia é colocar fim a este triste capítulo da nossa relação com as espécies marinhas. 





quarta-feira, 21 de abril de 2021

XV Censo de Mantas

A manta (Buteo buteo) é uma das quatro aves de rapina residentes no arquipélago da Madeira, sendo a maior de todas com uma envergadura de 110 a 130 cm e um comprimento entre 51 e 57 cm.  Esta ave majestosa tem como tom dominante da plumagem o castanho nas partes superiores e castanho-claro com manchas nas partes inferiores, sendo a parte interior das asas esbranquiçada. A cauda é listada e quadrada e o bico é amarelo e preto.

Manta (Buteo buteo). Foto por Luís Berimbau.

Nos passados dias 9 a 18 de abril, decorreu o XV Censo de Mantas/Milhafres no Arquipélago da Madeira e Açores, onde dezenas de voluntários realizaram um percurso pela sua ilha em busca destas magníficas aves de rapina. Este ano, na Ilha da Madeira e Porto Santo houve cerca de 70 voluntários e perto de 900km percorridos! Os voluntários observaram mais de 100 mantas!

Neste Censo podem participar todos os cidadãos interessados em contribuir para que mais dados científicos sejam obtidos. Esta iniciativa se reveste de grande importância, principalmente dado o papel essencial desta ave de rapina nos nossos ecossistemas, por exemplo, enquanto agente controlador de pragas, como os ratos. 

Sabe mais sobre os nossos projetos, e muito mais, na nossa newsletter que sai mensalmente, subscrevendo aqui.

A nossa equipa da Spea Madeira (na foto) também participou! Estivemos no terreno em busca destas emblemáticas aves, tendo feito percursos desde o Ribeiro Frio ao Arco de São Jorge de carro, e a levada dos Balcões a pé. Nestes 60km avistámos 6 mantas! 

Foi possível, com a ajuda dos voluntários, cobrir a área ilha da Madeira e Porto Santo. As mantas foram observadas um pouco por todo o lado, desde as zonas florestais até aos centros urbanos, planando ou pousada num sítio alto, sempre atenta à próxima presa.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Bycatch (I)

 

Desde a minha chegada à SPEA, o meu interesse por certas temáticas tem aumentado. Um desses temas é o que iriei hoje aqui apresentar muito sucintamente: o “bycatch”, ou em português, captura acidental.

A captura acidental não é mais do que a captura de espécies que não estavam previstas capturar durante a pescaria. Por outras palavras, no ato de pescar, seja de barco em alto mar, ou desde costa, procura-se capturar um género específico de peixe. Por azar, ou não, acabam por ser capturadas outras espécies que não as supostas.

Caso a captura tenha algum valor financeiro e comercial, esta acaba por ser levada para terra e comercializada. Mas em muitos casos, a captura acidental composta por peixes, invertebrados, mamíferos, tartarugas e/ou aves marinhas, sem valor comercial ou proibida, acontece. E a solução parece simples: arrojar a espécie de volta ao mar, e continuarmos com a nossa vida. Só que não funciona bem assim. Um dos grandes problemas prende-se no facto de que muitas dessas espécies capturadas acidentalmente chegam mortas ao convés dos barcos. Por vezes, acabam por ser capturadas pelas suas guelras, barbatanas, penas ou vêm presas nas redes, e por não conseguirem chegar à superfície a tempo para respirar, acabam por morrer lentamente e de forma dolorosa.


Morte bycatch. Imagem: Andrea Marshall



 







E quando não chegam mortas, chegam gravemente feridas, com baixas probabilidade de sobrevivência. Mesmo que se devolva a espécie não alvo ao mar, das duas, uma: ou ela já está morta, ou irá acabar por morrer em pouco tempo.

Só para termos uma noção da dimensão e da ameaça que estas espécies e o mundo enfrentam devido à captura acidental, compilei alguns números que me assustaram pessoalmente:

•  300,000 pequenas baleias e golfinhos;

•  250,000 tartarugas, algumas delas são consideradas criticamente em perigo: as tartarugas de couro (Dermochelys coriacea);

•  300,000 aves marinhas, incluindo 17 espécies de albatroz (a publicação Bycatch expõe algumas das aves mais capturadas);

•  Por 1 quilo de camarão, podem ser encontrados nas redes 5 a 20 quilos de captura acidental (este número assustou-me, muito devido ao meu amor ao camarão).

Capturas acidentais por Redes. Fonte das imagens: motherjones.com; medavespesca.pt;wwf-Portugal 


No total, 38 milhões de toneladas de espécies marinhas são capturadas acidentalmente, podendo se traduzir em cerca de 40% do que é pescado mundialmente.

Como já mencionado, nestas capturas existe uma quantidade significativa de espécies descartadas de volta ao mar como lixo, mortas, moribundas ou gravemente feridas. A pesca não seletiva está a colocar o habitat marinho em risco. Sem mencionar o horror que é tratar animais vivos como se de resíduos se tratassem.


Captura por anzol. Fonte da imagem:rspb.org.uk


Porém não tem que ser assim. Existem muitos métodos testados que tornam a pesca mais inteligente, e dessa forma, reduzem as capturas acidentais. Falarei destas medidas de mitigação numa próxima publicação.  Até a próxima!


Bycatch (I)


Since my arrival at SPEA, my interest in certain themes has increased. One of these themes is the one that I will present here today, very briefly: the "bycatch".


Bycatch is nothing more than the capture of species that were not intended to be caught during the fishery. In other words, in the act of fishing, whether from a boat on the high seas or from the coast, one tries to catch a specific genus of fish. By bad luck, or not, other species end up being caught.


If the catch has some financial or commercial value, it is taken to land and sold. But in many cases, the accidental capture of fish, invertebrates, mammals, turtles, and/or sea birds, without commercial value or prohibited, happens. And the solution seems simple: throw the species back into the sea, and get on with our lives. But it doesn't quite work like that. One of the big problems is that many of these accidentally caught species arrive dead on the deck of the boat. Sometimes they get caught by their gills, fins, feathers, or get caught in the nets, and because they can't surface in time to breathe, they die a slow and painful death.


Death bycatch. Image: Andrea Marshall


And when they don't show up dead, they appear badly wounded, with low chances of survival. Even if you return a non-target species to the sea, either it is already dead or it will die within a short period of time.


Just to give you a sense of the scale and threat these species and the world face from incidental capture, I have compiled some figures that have scared me personally:


- 300,000 small whales and dolphins;

- 250,000 turtles, some of which are considered critically endangered: leatherback turtles (Dermochelys coriacea);

- 300,000 seabirds, including 17 species of albatross (the Bycatch publication lists some of the most commonly caught birds);
- For 1 kilo of shrimp, 5 to 20 kilos of incidental catch can be found in nets (this figure scared me, much due to my love of shrimp).

Catches by nets. Source of images: motherjones.com; medavespesca.pt; wwf-Portugal


In total, 38 million tonnes of marine species are caught accidentally, which can translate into about 40% of what is fished globally.


As mentioned earlier, in these catches there is a significant amount of species discarded back into the sea as litter, dead, dying, or seriously injured. Non-selective fishing is putting the marine habitat at risk. Not to mention the horror of treating live animals as if they were waste.

Catch by hook. Source of the picture: rspb.org.uk


But it doesn't have to be this way. There are many tested methods that make fishing smarter and thereby reduce bycatch. I will talk about these mitigation measures in a future post. Until next time!


quarta-feira, 7 de abril de 2021

Nova estagiária na SPEA Madeira

 Estagiar na SPEA durante um ano? Perfeito!

Sou a Elisa Teixeira e estou de momento a estagiar na SPEA no âmbito do programa ProJovem.  Estarei a reforçar os trabalhos da SPEA Madeira na vertente terrestre e na área da comunicação. 🦉

Já conto com alguma experiência na área da conservação, tendo participado em diversos projetos de monitorização de aves e também de insetos na Ilha da Madeira. Realizei o meu estágio profissional no IFCN após terminar a licenciatura em Biologia pela Universidade da Madeira.

A minha vocação enquadra-se na área dos insetos e das aves, tendo uma coleção de penas e de insetos em casa! Tudo começou quando era criança e fazia criação de borboletas. E ainda continuo. Sempre gostei de animais, sendo que também tenho o curso de auxiliar de veterinária. Também gosto de fotografar, sendo que tenho uma página no Facebook onde partilho fotos de artrópodes! Podes visitar em https://www.facebook.com/artropodesmadeira/.

Para além de ser amante da natureza, também gosto de música, onde já compus alguns temas. Faço também parte de um grupo de folclore (Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula) e da tuna feminina da Universidade da Madeira (Tuna D’Elas). Adoro aprender novos instrumentos e o meu género musical favorito é o metal.

Estou muito orgulhosa de fazer parte desta equipa e de poder contribuir para a conservação da fauna e flora que têm tanto valor para a nossa ilha.

 



quinta-feira, 1 de abril de 2021

Seabird Macaronesian Sounds - Censos noturnos


Estas últimas duas semanas foram repletas de trabalho de campo na SPEA. Desde 2ªfeira à noite comecei com o Tiago a tentar identificar colónias de aves marinhas através da sua vocalização.

Este é o projeto Seabird Macaronesian Sounds (SMS) e tem como principal objetivo aumentar o conhecimento, atualizar a distribuição e a abundância de 4 espécies de aves marinhas, nidificantes nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira (Pintainho Puffinus lhermineiri, Patagarro Puffinus puffinus, Roque-de-Castro Hydrobates castro e o Painho-de-Monteiro Hydrobates monteroi.). Pretende-se essencialmente localizar colónias e realizar contagem de indivíduos através do som, perturbando o mínimo possível as espécies em estudo, e desta forma dar a conhecer e aumentar a sensibilização do público em geral sobre estas espécies e as suas ameaças.

Equipamento Acústico

Os dados são obtidos através do método de acústica passiva, metodologia usada pelo investigador Luís Monteiro nos Açores. Com um equipamento de audição amplificada, gravadores e em pontos previamente identificados procedemos aos registos gravando todos as vocalizações que aconteciam, e ao mesmo tempo tomando nota das que eram ouvidas. Depois estes registos são analisados para compreender melhor as espécies e abundância relativa nas suas colónias.






Basicamente, ao longo das duas semanas, penteamos a ilha de um lado a outro, desde a Ponta do Pargo (ponto mais a Oeste da ilha), Ponta de São Lourenço (Ponto mais a Este), diversos pontos na costa Sul, Costa Norte e até ao interior da ilha.

Ponta do Pargo



Ponta de São Lourenço









O contexto atual de pandemia, os confinamentos e recolheres obrigatório, contribuíram para o nosso trabalho, havendo menos perturbações sonoras e luminosas, os animais com hábitos noturnos tornam-se os verdadeiros reis da noite. Perdemos a conta da quantidade de Corujas, Coelhos, Ratos, Borboletas noturnas e Morcegos que passam por nos e ficaram observando o nosso comportamento.

A experiência é fascinante e conseguimos quase 20 horas de gravação, apenas a escuta, a espera, e com esperança de sentir uma progenitora a vocalizar para a sua criar. Tudo isto agregado ao cansaço diário acumulado, as viagens de ponto em ponto, as localidades desconhecidas, e alguma estradas interrompidas devido a intempéries recentes, fizeram as últimas duas semanas uma mistura de emoções e sensações gratificantes.





These past two weeks were full of fieldwork at SPEA. Since Monday evening I started with Tiago trying to identify seabird colonies through their vocalization.

This is the Seabird Macaronesian Sounds (SMS) project, and its main goal is to increase the knowledge, update the distribution and the abundance of 4 seabird species, breeding in the Azores and Madeira archipelagos (Little Shearwater Puffinus lhermineiri, Manx Shearwater Puffinus puffinus, Band-rumped Storm-petrel Hydrobates castro and Madeiran Storm-petrel Hydrobates monteroi.) The aim is essentially to locate colonies and carry out counts of individuals by sound, disturbing the species under study as little as possible, and in this way raise awareness and increase public awareness in general about these species and their threats.


Acoustic equipment





    The data is obtained through the method of passive acoustics,    a methodology used by researcher Luís Monteiro in the     Azores. Using amplified listening equipment, tape recorders and at previously identified points we proceed to record all the vocalizations that occur, and at the same time taking notes of those that are heard. Afterward, these records are analyzed to better understand the species and relative abundance in their colonies.










Basically, over the two weeks, we combed the island from one side to the other, from Ponta do Pargo (the westernmost point of the island), Ponta de São Lourenço (the easternmost point of the island), several points on the south coast, the north coast and up to the interior of the island.


Ponta do Pargo




Ponta de São Lourenço


The current pandemic context, the confinements, and curfews contributed to our work, there being less noise and light disturbance, the animals with nocturnal habits become the true kings of the night. We lost count of the number of owls, rabbits, mice, nocturnal butterflies, and bats that passed by us and observed our behavior.


The experience is fascinating, and we managed almost 20 hours of recording, just listening, waiting, and hoping to feel a mother vocalizing to her brood. All this added to the daily accumulated tiredness, the trips from point to point, the unknown localities, and some roads interrupted due to recent bad weather, made the last two weeks a mix of emotions and gratifying sensations.