sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A minha experiência de voluntariado na SPEA | Testemunho de Sara Duque

O meu voluntariado para a SPEA, surgiu quase como uma sequência natural depois de algum tempo a observar aves. Apesar de algum receio em aventurar-me numa área para a qual não me tinha formado, sempre tive em mim uma necessidade em ajudar quem precisa e não tem voz. Por esta altura já tinha algum conhecimento sobre algumas aves, como as rapinas entre outras, baseado na observação e comparação com a informação disponibilizada em livros como O Guia de Aves de Portugal e da Europa, assim como diversos sites como o Atlas das Aves na Madeira, as Aves de Portugal, o eBird e a SPEA.

A minha vontade em desafiar-me a sair da minha zona de conforto, levou a que contactasse a SPEA em 2021, demonstrando o meu interesse e disponibilidade em participar inicialmente no Censo das Mantas (Buteo buteo). No site da SPEA tem toda a informação sobre o censo e a sua metodologia, tornando se bastante acessível a sua compreensão. Após a atribuição dos percursos, sobre o qual iria fazer a contagem, fui fazer o censo numa manhã de sábado com o meu marido e filha. Aquilo que costumávamos fazer em família, em dar passeios para observar aves e identifica-las, naquele dia era diferente, pois iríamos registar a quantidade das rapinas que víamos, para contribuir na contagem total de Mantas que existiam à data na Madeira e Porto Santo. 

Iniciamos a contagem na estrada regional, a partir da Ponta de São Lourenço, de carro em marcha lenta como era recomendado, em direcção a Machico para depois acabarmos junto ao Campo de Golf do Santo da Serra. Durante todo o percurso, conseguimos observar algumas Mantas, a sua maioria em voo e uma ou outra poisada em postes de electricidade. A experiencia no geral foi muito positiva, pois conseguimos cumprir o objectivo do censo, apesar de naquele dia termos observado esta ave, em menos quantidade do que era habitual naquele percurso.


Depois desta experiência ficou a vontade de fazer mais voluntariado, por isso continuei a seguir a agenda das actividades da SPEA, para que quando eu tivesse disponibilidade, e houvesse outra atividade, que me sentisse preparada, iria participar com certeza. Queria contribuir para a preservação e estudo das aves, assim como aumentar a minha experiencia e aprendizagem em campo. Por esta altura já conseguia identificar algumas aves quer visualmente mas também pelo canto ou chamamento. Por isso quando soube da realização do CAC, Contagem de Aves Comuns, quis participar. Pois durante um Webinar sobre a metodologia e resultados do CAC anterior, apercebi me que havia uma falta de registos do censo em grande parte da ilha da Madeira.

Após contacto com a coordenadora da Spea Madeira foi me atribuída uma quadricula, no mapa da ilha, que incluía o Santo da Serra e Porto da Cruz, e que não era contabilizada a alguns anos. A metodologia era diferente da anterior, assim como o objectivo do censo. Pretendia-se contabilizar as diferentes espécies de aves comuns que surgiam nas primeiras horas da manhã, em diferentes pontos de um percurso predefinido. Eram cerca de 20 pontos de escuta nos quais teríamos de parar o carro, e registar todas as aves comuns que víamos e ouvíamos.

Eu e a minha filha fizemos três vezes o percurso, em dias diferentes, no qual o primeiro foi para conhecer, a sua localização e georreferência de todos os pontos de escutas, em modo de passeio numa tarde solarenga. As outras duas vezes em que fizemos os registos, já foram feitos a conta relógio, porque iniciamos de madrugada antes de o sol nascer, com muito frio e escuridão, com paragens de apenas 5 minutos em cada ponto, para registar grande parte do que se ouvia e não se via, isto tudo com a minha filha ainda a dormir no carro. 

Foi nesta altura que me apercebi que aqueles cantos de aves que já reconhecia complicaram-se em apenas 5 minutos. A sinfonia de sons que surgiam naquelas primeiras horas da manha, era lindo, divinal até mesmo paradisíaco, mas saber quem é que cantava cada um dos sons em separado, quando todas as aves cantavam ao mesmo tempo e a diferentes distancias, tornou-se extremamente difícil. Aos poucos lá fui conseguindo identificar alguns sons, outros gravei para mais tarde tirar duvidas no eBird, mas sei que alguns se perderam no meio de todo aquele concerto musical. 

Acredito que com a prática de campo, associando de preferência o canto à imagem da ave, com varias tentativas e alguns erros pelo meio, conseguirei melhorar a minha capacidade na identificação das aves, ao longo do tempo.

Em Outubro/Novembro desse ano, a campanha Salve uma ave marinha, foi mais uma oportunidade de participar como voluntario, mas que me marcou de outra maneira, pois desta vez tive contacto directo com as aves, ao recolhe-las e depois liberta-las em local seguro. 

Durante quase um mês, todas as noites depois do jantar, saía de casa com a minha filha, à procura de aves marinhas caídas pelo encadeamento das luzes da via pública, nos estacionamentos do Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo e no Parque Desportivo de Água de Pena. Nas primeiras noites de patrulha e por ser estreia, era difícil saber e ver onde procurar, e sentia-me por vezes, mais desorientada do que as próprias aves. Pensava também, que o fato de não encontrar nenhuma ave, talvez fosse um bom sinal, de que nenhuma tinha se desorientado no seu percurso até ao mar.


Depois fui percebendo com a experiencia e relatos de outros resgates, feitos por Voluntários da Spea, onde e como procurar. Assim nas noites mais escuras, onde não víamos a lua, conseguimos resgatar algumas cagarras (Calonectris diomedea borealis), que depois soltamos à noite num local escuro junto ao mar. Nessa altura quando poisamos a ave perto mar, durante alguns minutos, ela sentia a maresia, o barulho, a agitação marítima e abria as asas umas quantas vezes, como a se preparar para a sua longa viagem. De repente, saltava em direcção ao mar, voando para longe, por vezes não sem antes, dar uma volta e passar por cima de nós, como a agradecer a nossa ajuda e a despedir se até para o ano ou mais. Nessa altura, sentimos felizes, descansados e até “mais leves”, sabendo que fizemos a diferença na vida daquela ave e das suas gerações vindouras.

Confesso que a noção que poderia chegar tarde demais ao resgate das aves, perante a sua vulnerabilidade ao perigo de predação por outros animais, ou atropelamento por veículos, gerou em mim um certo nível de ansiedade, mesmo sabendo que não poderia resgatar todas as aves. Ao conhecermos os comportamentos e o habitat destas aves, percebemos as dificuldades e fragilidades, que estas estão sujeitas todos os anos, no regresso a terra na época de reprodução e daí a importância de salvar uma ave marinha que seja.

Finalmente nos últimos dias do ano, fui experimentar fazer o Projeto de Arenaria, no passeio marítimo do Funchal. Este censo pretende contabilizar essencialmente aves costeiras, assim como outras aves que se encontrem naquelas praias e costas, nas 3 horas antes e depois da maré baixa.

A minha disponibilidade depois do trabalho, nem sempre coincidia com este horário e o estado do tempo em terra e no mar (vento e chuva), limitava muitas vezes a realização deste censo. Por fim, conseguimos na véspera do ano novo, fazer o percurso que inicia no Forte de Santiago a este e finaliza a oeste no Cais 8, junto ao Hotel do Cristiano Ronaldo.

Desde o inicio fomos observando e contabilizando essencialmente as aves que estavam pousadas, nas rochas, praias ou a descansar no mar. Conseguimos observar uma Rola-do-mar (Arenaria interpres) numa rocha e uma serie de gaivotas de patas amarelas (Larus michahellis), de asa escura (Larus fuscus), de cabeça preta (Ichthyaetus melanocephalus) assim como uns 5 Guinchos-comuns (Chroicocephalus ridibundus) pousados em um dos pontões ali existentes. Estávamos à espera de contabilizar mais aves costeiras invernantes, especialmente Limícolas, mas naquela tarde cheia de sol, havia muitas perturbações, naquele percurso. Existia muitas pessoas nas praias, muitas famílias em passeio, bicicletas que circulavam entre cães que corriam, sem faltar para-quedistas em treino que saltavam para o seu número marcado para a noite de fim de ano. Por fim, parte do percurso estava também inacessível e não foi contabilizado porque aí estava instalado o Parque de Diversões, que limitava o acesso. 

Foi portanto no ano passado que comecei esta aventura, cheia de experiencias e conhecimentos novos para mim, de um acordar para o mundo natural que nos rodeia, da necessidade de estudar e proteger as nossas espécies de fauna e o seu habitat, e que naturalmente pretendo continuar a participar. Este foi apenas o meu percurso, haverá outros voluntários, com mais ou menos experiencia e conhecimento que eu, mas penso que o mais importante é haver cada vez mais pessoas com interesse e vontade, de uma forma ou outra ajudar esta causa tão importante que é a preservação do nosso planeta.

Sara Coelho Duque



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