sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Salve uma ave marinha: quando a noite pode salvar uma vida

 


Há uma forma simples de salvar uma vida marinha: olhar para baixo, enquanto a noite nos envolve.
Pode parecer um gesto mínimo, mas neste tempo de luzes sempre acesas, são precisamente os pequenos gestos que fazem a diferença.

Todos os anos, entre outubro e novembro, ao longo das costas da Madeira e de outras ilhas atlânticas, centenas de juvenis de aves marinhas deixam pela primeira vez o ninho onde cresceram no escuro, sob a rocha, e dirigem-se para o mar.
É o primeiro voo da vida. O salto para o mundo. Um rito de passagem programado pela natureza com precisão.

Mas a natureza não previu faróis de automóveis, luzes de portos ou resorts iluminados durante toda a noite.

As aves marinhas que dependem da luz da lua para se orientarem como as jovens cagarras ou os roque-de-castro ficam desorientadas pelas luzes artificiais, que ofuscam e confundem o seu sistema de navegação.
Confundem os reflexos do cimento com o reflexo do mar e caem ao chão.

Uma vez no solo, não conseguem levantar voo sozinhas: falta-lhes o espaço para descolar. Ficam presas. Invisíveis e vulneráveis.

É por isso que existe a campanha “Salve uma ave marinha”.

Desde 2009, durante estas semanas críticas, voluntários e cidadãos da Madeira saem todas as noites, com uma lanterna na mão e uma caixa ao lado, à procura de aves caídas a fase que a ornitologia chama de grounding.
Caminha-se por passeios, estacionamentos, praias e até pelas praças das vilas. Onde quer que as luzes atraiam os jovens no seu primeiro voo.

Quem encontra uma ave, recolhe-a com cuidado, coloca-a numa caixa ventilada e leva-a para um local seguro, nas condições ideais para a libertação.

Um gesto simples, repetido milhares de vezes ao longo dos anos, que já salvou dezenas de milhares de indivíduos e deu uma nova oportunidade a populações inteiras.

É uma ação científica. Ajuda comunidades inteiras de aves marinhas espécies longevas, que põem apenas um ovo por ano a terem um futuro.
É uma ação coletiva. Envolve universidades, autarquias, instituições científicas e também pessoas que regressam do trabalho.
É uma ação simbólica. Recorda-nos que proteger a biodiversidade pode ser um hábito diário.

Este ano, também participei nas patrulhas em várias localidades da ilha.
Foram salvos e anilhados 14 indivíduos de cagarra (Calonectris borealis), dos quais 10 continuam a ser monitorizados por GPS para estudar os seus deslocamentos pós-libertação.

Proteger a noite é proteger também estas aves: as verdadeiras habitantes da escuridão, guardiãs silenciosas dos nossos mares.

English version

Save a Seabird: when the night can save a lifeThere’s a simple way to save a marine life: look down, while the night surrounds you.

It may seem like a small gesture, but in a time of constantly lit coastlines, it’s the smallest actions that make the biggest difference.

Every year, between October and November, along the coasts of Madeira and other Atlantic islands, hundreds of young seabirds leave the nest where they grew up in darkness, under the rock, and head toward the sea.
It’s their first flight. Their leap into the world. A carefully designed rite of passage.

But nature didn’t plan for car headlights, harbor lights or seaside resorts lit up all night long.

Seabirds that depend on moonlight to orient themselves such as young shearwaters or storm-petrels are disoriented by artificial light, which dazzles and confuses their navigation system.
They mistake the glow of concrete for the reflection of the sea and fall to the ground.

Once grounded, they can’t take off on their own: they lack the space to launch. They stay trapped. Invisible and vulnerable.

That’s why the “Salve uma ave marinha” (Save a Seabird) campaign exists.

Since 2009, during these critical weeks, volunteers and residents on Madeira go out every evening, flashlight in hand and recovery box by their side, searching for fallen birds what ornithology calls the grounding phase.
They walk along sidewalks, parking lots, beaches, and even town squares everywhere the lights pull young birds off course during their first flight.

When someone finds one, they gently place it in a ventilated box and bring it to safety, in the best conditions for release.

A simple action, repeated thousands of times over the years, has saved tens of thousands of individuals and given entire populations a second chance.

 It’s a scientific action. It helps entire communities of long-lived seabirds species that lay just one egg a year secure their future.
 It’s a collective action. It involves universities, local councils, scientific institutions, and ordinary people on their way home from work.
It’s a symbolic action. It reminds us that protecting biodiversity can be a daily habit.

This year, I also took part, joining patrols in several areas of the island.
A total of 14 Cory’s shearwaters (Calonectris borealis) were rescued and ringed, 10 of which are still being monitored via GPS in the days following their release.


Valeria Basciu


O Halloween já passou, mas os fantasmas do mar continuam vivos

 


O Halloween já ficou para trás. As abóboras foram apagadas, as máscaras voltaram para as gavetas, e com elas as histórias de espíritos e aparições.

Mas, para quem vive perto do mar, a atmosfera de mistério nunca desaparece por completo.

Há presenças que se movem no escuro, enchendo a noite de chamamentos inquietantes e fascinantes.
Não são fantasmas, mas criaturas reais: aves marinhas que escolhem as horas do crepúsculo ou da noite para momentos cruciais da sua vida, habitantes antigos do oceano, mestres do vento e do silêncio.

Entre a Sardenha e a Madeira estendem-se milhares de quilómetros de oceano e profundas diferenças geográficas.
Mas quem escuta a noite numa falésia sarda ou nas Ilhas Desertas poderá ouvir ecos semelhantes: asas que regressam do mar, sons que ligam o Mediterrâneo ao Atlântico numa linguagem antiga e universal.

Na Sardenha, a protagonista é a Cagarra do Mediterrâneo (Calonectris diomedea), enquanto na Madeira voa a sua “irmã atlântica”, a Calonectris borealis.
Tal como a espécie mediterrânica, põe apenas um ovo por ano: um investimento enorme, que explica a sua vulnerabilidade às ameaças humanas.

Duas espécies tão próximas que parecem ser a mesma, separadas apenas por mares e ventos.

Também entre as aves-de-tempestade o elo entre Sardenha e Madeira continua.
No Mediterrâneo sopra a Hydrobates pelagicus melitensis, que pesa menos de 30 gramas, mas percorre milhares de quilómetros entre o alto mar e as costas rochosas.
É uma das menores aves marinhas do mundo, e o seu cheiro característico tem uma função biológica importante: ajuda as crias a reconhecerem os progenitores quando regressam ao ninho.

No Atlântico voa o seu parente Hydrobates castro, igualmente discreto, que partilha a mesma estratégia reprodutiva: nidifica no interior de cavidades profundas, muitas vezes a mais de um metro da entrada, onde a temperatura se mantém estável mesmo no verão.
Ambas as espécies preferem a noite, ambas permanecem invisíveis ao olhar humano e por isso parecem quase criaturas de lenda.

E depois há ela, a Alma-negra (Bulweria bulwerii), que na Madeira acrescenta ao quadro uma nota de mistério ainda maior.
É uma das poucas aves procelariiformes que se move com um bater de asas contínuo, em vez de depender apenas das correntes de ar, como fazem as cagarras.
Os seus olhos escondem ainda uma curiosidade: possuem um revestimento pigmentado que reduz os reflexos da lua, melhorando a visão ao crepúsculo.

O nome parece saído de um conto gótico, e no entanto o seu canto, em vez de assustar, embala.
Nas noites das Desertas, a sua voz acompanhava os momentos de maior silêncio — um som suave, quase como a respiração do mar.
A Alma-negra vive imersa na escuridão, longe de tudo, invisível, mas presente.
É a alma secreta do oceano, a expressão perfeita de uma vida que prefere ocultar-se, mas que se revela com toda a sua força quando o sol se põe.

Há um fio que une todos estes seres, desde as cagarras do Mediterrâneo até às do Atlântico, das Hydrobates às Alma-Negra: o amor pela noite.
A escuridão não é ausência de vida, mas proteção.
As trevas geram um espaço de segurança e liberdade.

Mas hoje, essa escuridão está em perigo.

As luzes artificiais que iluminam as costas e os portos desorientam estas aves, atraindo-as para longe do mar e colocando em risco a sua sobrevivência.
Em algumas ilhas do Atlântico, incluindo a Madeira, todos os anos centenas de jovens cagarras precisam de ser resgatadas do chão e devolvidas ao mar, depois de caírem por causa dos faróis, estradas ou zonas turísticas.

Proteger a noite é proteger também estas aves: as verdadeiras habitantes da escuridão, as guardiãs silenciosas dos nossos mares.
Escutá-las é como sentir um suspiro profundo partilhado entre duas ilhas distantes, dois mundos irmãos.
E descobrir que, na escuridão onde quer que ela esteja não há medo, mas apenas maravilha.

English version 

Halloween is already behind us. The pumpkins are out, the masks are back in drawers, and with them all the tales of spirits and apparitions.
Yet, for those who live close to the sea, the feeling of mystery never quite disappears.

There are presences that move in the dark, filling the night with haunting and fascinating calls.
They’re not ghosts, but real creatures: seabirds that choose twilight or night hours for the most delicate moments of their lives, ancient inhabitants of the ocean, masters of silence and wind.

Thousands of kilometers and deep geographical differences separate Sardinia from Madeira.
Still, anyone listening from a cliff in the Sulcis or on Desertas Island might catch similar echoes: wings returning from the sea, voices that tie the Mediterranean and the Atlantic together in an ancient, universal language.

In Sardinia, the protagonist is the Scopoli’s shearwater (Calonectris diomedea), while in Madeira its “Atlantic sister”, Calonectris borealis, takes its place.
Like its Mediterranean counterpart, it lays only one egg per year: a huge investment that makes the species vulnerable to any external threat.

Two species so close they could almost be the same, divided only by seas and winds.

The bond continues even among storm-petrels.
In the Mediterranean flies Hydrobates pelagicus melitensis, weighing less than 30 grams, yet capable of traveling thousands of kilometers between open sea and rocky nesting sites.
It’s one of the smallest seabirds in the world, and its distinct smell plays an important biological role: it allows chicks to recognize their parents when they return to the nest.

Across the Atlantic flies its relative Hydrobates castro, equally discreet, sharing the same reproductive strategy: it nests deep in rock cavities, often more than a meter into the ground, where the temperature stays stable even in summer.
Both species favor dark hours and remain hidden from human sight which gives them an aura of legend.

And then there’s Bulwer’s petrel (Bulweria bulwerii), the “Alma Negra”, which adds a further note of mystery to Madeira’s skies.
It’s one of the few petrel species with a continuous wingbeat instead of gliding on air currents like shearwaters.
Its eyes also hide an uncommon feature: a pigmented film that reduces moonlight reflection, improving vision during dusk and night flights.

Its name sounds like it came from a gothic tale, but its call soothes rather than frightens.
On the Desertas islands, its voice gently broke the silence a soft sound, almost like the ocean’s breath.
Bulwer’s petrel lives fully in the shadows, far from everything, invisible yet ever-present.
It is the hidden soul of the ocean, the perfect embodiment of a life that prefers to remain out of sight, but reveals itself in full force when the sun goes down.

There is a thread connecting all these beings, from Mediterranean shearwaters to Atlantic ones, from storm-petrels to Bulwer’s petrel: a bond with the night.
Darkness is not the absence of life, but protection.
It creates a space of safety and freedom.

Today, though, that darkness is at risk.

Artificial lights along coasts and harbors disorient these birds, luring them away from the sea and putting their survival at stake.
On several Atlantic islands, including Madeira, hundreds of young shearwaters need to be rescued from the ground every year, having fallen after being drawn toward car headlights or tourist harbor lights.

Protecting the night means protecting them too: the true inhabitants of darkness, the silent guardians of our seas.
Listening to them is like sensing a long, shared breath between two distant islands, two sibling worlds.
And discovering that in the dark, wherever it unfolds, there is no fear, only wonder.

Uma experiência de investigação e conservação no coração do Atlântico

 


No final de setembro tive a oportunidade de participar numa campanha de monitorização e anilhagem de aves marinhas nas Ilhas Desertas, um pequeno arquipélago situado a cerca de 22 milhas a sudeste do Funchal.

Durante cinco dias vivi num dos ambientes mais isolados e intactos do Atlântico: um fragmento de mundo onde o tempo parece abrandar e o vento é uma presença constante.

A base operacional localiza-se na baía da Doca, na ilha da Deserta Grande. A estação, construída em 2005 para substituir o antigo refúgio de 1986, é hoje o coração da reserva natural.
Ali vivem em regime de rotação os vigilantes da natureza do Parque Natural da Madeira, que permanecem na ilha durante várias semanas, acolhendo ocasionalmente pequenos grupos de investigadores ou voluntários.

O edifício é simples, mas perfeitamente adaptado ao contexto: a energia provém de painéis solares e de um pequeno gerador, enquanto a água doce é recolhida numa cisterna pluvial. Os espaços são reduzidos uma cozinha, uma área comum, alguns quartos e um armazém, mas tudo funciona graças a uma logística precisa e a um forte espírito de colaboração.
À noite, o vento constante e o chamamento das aves marinhas substituem o silêncio: um concerto natural que acompanha todas as atividades.


Ilhéu Chão, Deserta Grande e Bugio formaram-se há cerca de 3,5 milhões de anos, na sequência de intensas erupções submarinas. As ilhas estiveram outrora unidas, mas a erosão marinha e os movimentos tectónicos acabaram por separá-las, moldando uma paisagem de falésias basálticas que atingem até 480 metros de altura.
A composição geológica é dominada por basaltos alcalinos, tufos e escórias vulcânicas, alternando em camadas vermelhas e escuras devido à oxidação do ferro. Vistas do mar, as ilhas assemelham-se a enormes bastiões coloridos que se erguem verticalmente da água.



O clima é temperado oceânico e seco, com menos de 300 mm de precipitação anual e ventos dominantes de nordeste. A temperatura da água varia entre 17 °C no inverno e 24 °C no verão, parâmetros que influenciam os ciclos reprodutivos das aves marinhas e a produtividade do plâncton nas águas circundantes.

Apesar da aridez, as Desertas albergam uma flora relicta de grande interesse biogeográfico. Foram identificadas mais de 200 espécies vasculares, muitas delas endémicas, ou seja, exclusivas destas ilhas. Entre elas destacam-se Sinapidendron sempervivifolium, Monizia edulis e Chamaemeles coriacea, plantas que desenvolveram adaptações extremas à seca e à salinidade.
Nas zonas mais expostas crescem líquenes do género Rocella, outrora utilizados na produção do pigmento “oricelo”, enquanto nas fendas mais húmidas sobrevivem fetos delicados como Adiantum capillus-veneris.



As Desertas são uma das áreas mais importantes do Atlântico para a nidificação de aves marinhas. As falésias e as plataformas basálticas oferecem refúgios naturais a milhares de casais reprodutores.
A Cagarra (Calonectris borealis) nidifica em centenas de casais, escavando tocas no solo ou entre os detritos rochosos. É uma espécie migratória que passa o inverno entre as costas do Brasil e da África do Sul.
A Alma-negra (Bulweria bulwerii) encontra aqui uma das maiores colónias do mundo, estimada em mais de 10 000 casais.
A Freira-do-Bugio (Pterodroma feae), espécie endémica e em perigo crítico, está confinada à ilha do Bugio, com uma população de cerca de 150 a 200 casais monitorizados anualmente segundo protocolos rigorosos de conservação.
O Roque-de-Castro (Hydrobates castro) é um pequeno procelarídeo noturno, reconhecível pelo seu chamamento profundo e rítmico que preenche o ar após o pôr-do-sol.



Para além das aves, vive aqui a foca-monge do Mediterrâneo (Monachus monachus), uma das espécies de mamíferos mais raras do mundo.
A colónia das Desertas, com cerca de 30 indivíduos, representa atualmente o núcleo mais estável da espécie um resultado obtido graças a décadas de proteção total e à restrição de acesso a várias zonas costeiras.

Os invertebrados também merecem destaque: foram registadas mais de 150 espécies endémicas, incluindo aranhas e escaravelhos únicos, indicadores do isolamento evolutivo do arquipélago.

Durante séculos, contudo, as ilhas sofreram a pressão de espécies introduzidas pelo homem. Cabras e roedores continuam presentes em algumas zonas, representando uma ameaça persistente para a vegetação nativa e para as aves nidificantes.



O trabalho diário centra-se na monitorização dos ninhos e na anilhagem científica de adultos e juvenis.
As aves são capturadas manualmente e colocadas durante poucos minutos em sacos de tecido respirável, para minimizar o stress.




Registam-se os principais parâmetros biométricos peso, envergadura, comprimento do tarso e do bico e aplica-se uma anilha metálica identificativa na perna. Este sistema permite acompanhar ao longo do tempo os movimentos, a sobrevivência e a fidelidade ao local de nidificação.




Um dos momentos mais marcantes foi o reencontro com uma Cagarra que ainda mantinha um GPS funcional, aplicado quase dois meses antes. Encontrar um dispositivo intacto é raro, pois pode soltar-se devido ao movimento da ave ou às condições atmosféricas.



Durante as inspeções aos ninhos é comum encontrar crias mortas, sobretudo nos locais mais expostos ou após noites de chuva e vento.
A mortalidade juvenil nestas colónias pode ultrapassar os 25% anuais, conforme indicado por estudos de longo prazo nas Selvagens e nos Açores. Trata-se de um fenómeno natural que contribui para o equilíbrio populacional: apenas os indivíduos mais resistentes sobrevivem até à idade adulta.



As Ilhas Desertas são atualmente uma Reserva Natural Integral, Reserva Biogenética do Conselho da Europa, Zona de Proteção Especial (ZPE) e parte da Rede Natura 2000.
O acesso é estritamente controlado: apenas investigadores, vigilantes ou voluntários autorizados podem permanecer na Deserta Grande. As visitas turísticas diárias, limitadas a um pequeno troço costeiro, decorrem sempre sob supervisão.

Para mim, estes dias nas Desertas foram um encontro direto com a ciência no seu estado mais puro.


English version

At the end of September, I had the opportunity to take part in a seabird monitoring and ringing campaign in the Desertas Islands, a small archipelago located about 22 nautical miles southeast of Funchal.

For five days, I lived in one of the most isolated and untouched environments in the Atlantic: a fragment of the world where time seems to slow down, and the wind is a constant presence.

The operations base is located in Doca Bay, on Deserta Grande Island. The station, built in 2005 to replace the old 1986 shelter, is now the heart of the nature reserve.
Here, park wardens from the Madeira Natural Park live on rotating shifts, staying on the island for several weeks at a time, occasionally hosting small groups of researchers or volunteers.

The building is simple, but perfectly adapted to its surroundings: energy comes from solar panels and a small generator, while fresh water is collected in a rain-fed cistern.
The spaces are basic: a kitchen, a common area, a few bedrooms, and a storage room, but everything works thanks to careful logistics and a strong spirit of cooperation.
At night, the ever-present wind and the calls of seabirds replace silence: a natural symphony that accompanies every activity.

Ilhéu Chão, Deserta Grande, and Bugio were formed around 3.5 million years ago, as a result of intense submarine volcanic eruptions.
The islands were once connected, but marine erosion and tectonic movements eventually separated them, shaping a dramatic landscape of basalt cliffs that rise up to 480 meters above sea level.

The geological composition is dominated by alkaline basalts, tuffs, and volcanic scoria, which alternate in red and dark layers due to iron oxidation.
Viewed from the sea, the islands appear as massive, colorful bastions rising vertically from the water.

The climate is dry, temperate oceanic, with less than 300 mm of annual rainfall and prevailing northeast winds.
Sea temperature ranges from 17°C in winter to 24°C in summer parameters that influence the breeding cycles of seabirds and the productivity of plankton in surrounding waters.

Despite the aridity, the Desertas host a relict flora of great biogeographical value.
More than 200 vascular plant species have been recorded, many of them endemic, found nowhere else on Earth. Notable examples include Sinapidendron sempervivifolium, Monizia edulis, and Chamaemeles coriacea, plants that have developed extreme adaptations to drought and salinity.
In the most exposed areas, lichens of the genus Roccella grow, once used to produce the dye “orchil”, while in damp crevices, delicate ferns like Adiantum capillus-veneris survive.

The Desertas are among the most important seabird breeding areas in the Atlantic.
The cliffs and basalt platforms offer natural shelters to thousands of breeding pairs.

  • The Cory’s shearwater (Calonectris borealis) nests in hundreds of pairs, digging burrows in the soil or between rock debris. It is a migratory species, spending winter along the coasts of Brazil and South Africa.

  • The Bulwer’s petrel (Bulweria bulwerii) finds here one of the world’s largest colonies, estimated at over 10,000 pairs.

  • The Desertas petrel (Pterodroma feae), an endemic and critically endangered species, is confined to Bugio Island, with a population of about 150–200 breeding pairs, monitored annually through rigorous conservation protocols.

  • The Madeiran storm-petrel (Hydrobates castro) is a small, nocturnal procellariiform recognizable by its deep, rhythmic call that fills the air after sunset.

Alongside seabirds, the Mediterranean monk seal (Monachus monachus), one of the rarest marine mammals in the world,  also inhabits these islands.
The Desertas colony, with around 30 individuals, is currently the most stable population of the species  a result of decades of strict protection and limited access to coastal areas.

Invertebrates also deserve mention: over 150 endemic species have been recorded here, including unique spiders and beetles, clear indicators of the archipelago’s evolutionary isolation.

For centuries, however, the islands suffered from the pressure of species introduced by humans.
Goats and rodents still persist in some areas, posing a constant threat to native vegetation and breeding seabirds.

The daily work focuses on nest monitoring and scientific ringing of adults and juveniles.
Birds are captured by hand and placed for a few minutes in breathable cloth bags to minimize stress.
Key biometric data are recorded weight, wingspan, tarsus and bill length and a metal identification ring is attached to one leg. This system makes it possible to monitor movements, survival rates, and nesting site fidelity over time.

One of the most remarkable moments was finding a shearwater still carrying a functional GPS device, attached nearly two months earlier.
Recovering a tag in good condition is rare, as it may fall off due to the bird’s movements or weather conditions.

During nest inspections, it is not uncommon to find dead chicks, especially in exposed sites or after nights of rain and strong wind.
Juvenile mortality in these colonies can exceed 25% per year, as shown by long-term studies in the Selvagens and the Azores.
This is a natural phenomenon that helps maintain population balance: only the strongest individuals survive to adulthood.

The Desertas Islands are currently a Strict Nature Reserve, a Biogenetic Reserve of the Council of Europe, a Special Protection Area (SPA), and part of the Natura 2000 network.
Access is strictly controlled: only researchers, wardens, or authorized volunteers may stay on Deserta Grande.
Day visitors are allowed only along a small section of the coast and always under supervision.

For me, these days on the Desertas were a direct encounter with science in its purest form.

Valeria Basciu

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Uma nova experiência na SPEA Madeira

Olá! Sou o Miguel Andrade e vou realizar um voluntariado de dois meses, de setembro a novembro, na SPEA Madeira, ao abrigo do Corpo Europeu de Solidariedade. Durante este período, irei colaborar, entre outras atividades, na Campanha Salve uma Ave Marinha, participando em projetos de sensibilização junto da população e em brigadas noturnas destinadas ao resgate de aves juvenis encandeadas ou desorientadas.

Sou licenciado em Biologia pela Universidade da Madeira e concluí recentemente o mestrado em Ecologia na Universidade de Coimbra, com uma dissertação sobre os efeitos do restauro ecológico nos Lepidópteros de uma floresta endémica das ilhas Galápagos. Realizei trabalho de campo neste ecossistema insular único e, com os resultados obtidos, procurei compreender a resposta ecológica a estas intervenções, com a esperança de que estes conhecimentos possam ser aplicáveis noutros arquipélagos do mundo.

As minhas áreas de interesse em Biologia incluem a zoologia, botânica e ecologia, com curiosidade por diversos outros ramos da história natural. Tenho grande vontade de conhecer e estudar a diversidade da nossa ilha e do Arquipélago e espero vir a trabalhar futuramente na região. Este gosto pela Biologia vem desde cedo, fruto do contacto com a natureza durante a infância, e foi crescendo com a experiência da investigação e do desejo de proteger o nosso património natural.

Espero que, ao longo deste voluntariado, consiga desenvolver ainda mais as minhas competências como biólogo, enquanto aprendo e desfruto desta experiência única.

 


  

Hello! I’m Miguel Andrade, and I will be undertaking a two-month volunteer placement, from September to November, at SPEA Madeira, under the European Solidarity Corps. During this period, I will be collaborating, among other activities, with the Save a Seabird Campaign, participating in awareness-raising projects with the local community and in night brigades aimed at rescuing juvenile birds that are disoriented.

I hold a bachelor’s degree in Biology from the University of Madeira and recently completed a Master’s in Ecology at the University of Coimbra, with a dissertation on the effects of ecological restoration on Lepidoptera in an endemic forest of the Galápagos Islands. I carried out fieldwork in this unique island ecosystem and, with the results obtained, tried to understand the ecological response to these interventions, hoping that this knowledge could be applied to other archipelagos around the world.

My areas of interest in Biology include zoology, botany, and ecology, having curiosity in various other fields of natural history. I am eager to explore and study the diversity of our island and the Archipelago, and I hope to work in this area in the region in the future. My passion for Biology began at an early age, fostered by my contact with nature during childhood, and has grown through research experience, and the desire to protect our natural heritage.

I hope that, throughout this volunteer, I can further develop my skills as a biologist while learning from and enjoying this unique experience.

sábado, 27 de setembro de 2025

Nova voluntária SPEA Madeira

Chamo-me Carlota Rodrigues, sou madeirense e recém licenciada em Biologia na Universidade da Madeira. Atualmente, encontro-me a iniciar o meu voluntariado de dois meses através do Corpo Europeu de Solidariedade na SPEA Madeira, onde irei integrar no projeto LIFE Natura@Night, realizando campanhas de resgate de aves marinhas e campanhas de sensibilização.

Após terminar a licenciatura, desejei tirar algum tempo para poder entrar no mundo “laboral” da biologia, onde pudesse de facto compreender como os conceitos e conhecimento pudessem ser aplicados em campo. Devido ao meu contacto e paixão pelo mar e a sua vida abrangente, quero aprender melhor como as aves marinhas integram-se nos ecossistemas marinhos e terrestres, explorando a sua ecologia através das medidas de conservação e proteção que a SPEA Madeira propõe.

Este projeto, além de desenvolver ações de conservação, tem um papel muito ativo na divulgação dos impactos da poluição luminosa nas aves marinhas, o que fez com que quisesse desenvolver e contribuir para esse mesmo objetivo.

Assim sendo, estou bastante entusiasmada por integrar nesta equipa e poder participar das atividades que virão!


My name is Carlota Rodrigues, I am from Madeira and recently graduated in Biology at the University of Madeira. I am currently starting my two-month volunteering experience through the European Solidarity Corps at SPEA Madeira, where I will be part of the LIFE Natura@Night project, carrying out seabird rescue and awareness campaigns.

After finishing my degree, I wanted to take some time to step into the “working world” of biology, where I could truly understand how concepts and knowledge can be applied in the field. Because of my connection to and passion for the sea and its diverse life, I want to learn more about how seabirds fit into both marine and terrestrial ecosystems, exploring their ecology through the conservation and protection measures promoted by SPEA Madeira.

This project, in addition to developing conservation actions, plays a very active role in raising awareness of the impacts of light pollution on seabirds, which motivated me to contribute to this very goal.

Therefore, I am very excited to join this team and to take part in the activities to come!

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

De volta à SPEA Madeira!

Olá, o meu nome é Laura e não é a primeira vez que escrevo neste espaço. É com entusiasmo que volto aqui para partilhar a minha experiência com a SPEA Madeira de novo.

A minha ligação à organização começou em 2022, ainda durante a licenciatura em Biologia, quando passei várias noites de verão dedicadas à recolha de lepidópteros noturnos. Agora, numa nova fase do meu percurso académico como mestranda em Coimbra, volto a integrar a SPEA, conciliando a escrita da tese com uma colaboração de dois meses no âmbito do voluntariado do Corpo Europeu de Solidariedade.

Nesta etapa, o meu contributo será sobretudo no projeto LIFE Natura@night novamente, com foco em legislação e análise de dados. Ainda assim, também me encontrarão no terreno, a fazer parte da Campanha Salve uma Ave Marinha e das patrulhas noturnas pela freira-da-Madeira.

É um privilégio contribuir, uma vez mais, para a conservação noturna da biodiversidade na minha ilha, enquanto aprendo e continuo a consolidar a minha identidade como bióloga.


Foto: Catarina Varatojo

Hi, my name is Laura and this is not my first time writing in this space. I'm excited to be back to share my experience with SPEA Madeira once again.

My connection with the organization began in 2022, during my Bachelor’s degree in Biology, when I spent several summer nights collecting nocturnal lepidopterans. Now, in a new stage of my academic journey as a master’s student in Coimbra, I have rejoined SPEA, balancing my thesis writing with a two-month collaboration through the European Solidarity Corps volunteer program.

In this new phase, my main contribution will once again be to the LIFE Natura@night project, focusing on legislation and data analysis. Even so, you will also find me in the field, taking part in the “Salve uma Ave Marinha” campaign and in the night patrols for the Madeira petrel.

It is a privilege to contribute, once again, to the nocturnal conservation of biodiversity on my island, while learning and continuing to consolidate my identity as a biologist.


Buenos días Madeira

 Meu nome é Ainhoa e sou das Asturias, uma região costeira no norte de Espanha onde a minha paixão pela natureza começou desde muito pequena. Sempre me senti fascinada pelas plantas e, especialmente pelos os animais, que se tornaram uma parte essencial da minha vida.

Durante o liceu, esse interesse foi crescendo e levou-me a estudar Biologia na universidade. Lá descobri o mundo da investigação experimental, mas cedo percebi que o meu verdadeiro caminho estava mais perto das ciências ambientais e da educação para a natureza, do que do trabalho de laboratório.

No momento, encontro-me na Madeira faziendo o meu estágio Erasmus+ na SPEA, onde estou a aprender sobre as aves, seres presentes no nosso dia a dia e, ao mesmo tempo, invisíveis para muitos. Com esta expêriência procuro não só aprofundar o meu trabalho de campo, mas também a educação ambiental, uma ferramenta muito importante para inspirar mais pessoas a proteger a biodiversidade que nos rodeia.



English version

My name is Ainhoa and I am from Asturias, a coastal region in the north of Spain where my passion for nature began at a very young age. I have always been fascinated by plants and, especially, by animals, which soon became an essential part of my life.

During high school, this interest kept growing and eventually led me to study Biology at University. There, I discovered the world of experimental sciences, although I soon realized that my true path was more closely linked to environmental sciences and nature education than to laboratory work.

I am currently in Madeira doing an Erasmus+ internship at SPEA, where I am looking to learn about birds, which I have always been curious about and which go so unperceived in our days. With this experience I am not only looking for to fieldwork but also in environmental education, a key tool to inspire more people to protect the biodiversity that surrounds us.



Diário de campo: observações e armadilhagem no projeto Stop Predators



No decorrer deste mês tive a oportunidade de colaborar no âmbito do projeto Stop Predators, uma iniciativa destinada a reduzir o impacto dos predadores invasores nos ecossistemas locais. A experiência foi bastante variada, combinando momentos de monitorização direta, observações noturnas e atividades de gestão no terreno.

Uma parte do trabalho foi dedicada à manutenção e ao controlo das câmaras instaladas em diferentes locais da ilha. Estes dispositivos são fundamentais para recolher dados sobre a presença de predadores nas áreas sensíveis. Substituímos as baterias, verificámos a funcionalidade dos cartões de memória e confirmámos o ângulo de captação, garantindo a continuidade das gravações.

Uma atividade particularmente interessante foi o censo noturno de predadores com recurso a um telescópio de infravermelhos. Este instrumento permite observar os animais no escuro absoluto, detetando o calor corporal e possibilitando a identificação de diferentes espécies sem recorrer a fontes de luz artificial.

As saídas realizaram-se em várias áreas da ilha, muitas vezes com vento forte que tornava exigente o trabalho noturno. Apesar disso, as observações foram ricas e variadas: entre os predadores registados estavam furões, gatos, coelhos e ratos.

A principal atividade do mês foi a colocação de armadilhas para ratos e formigas. As armadilhas para ratos foram preparadas com iscos alimentares e com algodão embebido em água, uma medida pensada para reduzir o stress e evitar a mortalidade dos animais capturados. As armadilhas para formigas tiveram, por sua vez, um papel mais ligado à deteção da sua presença e ao acompanhamento da pressão que exercem sobre o ambiente.

No dia seguinte à instalação, todas as armadilhas foram verificadas. Os indivíduos capturados, em particular os ratos, eram marcados de forma não invasiva para permitir o seu reconhecimento em caso de recaptura. Paralelamente registava-se a eventual presença de lagartos ou de outros animais capturados acidentalmente, bem como a ativação das armadilhas pelas formigas. Ao fim do dia, as armadilhas eram recolocadas, prosseguindo a recolha de dados no dia seguinte.

Durante o terceiro e último dia de monitorização, procedeu-se a uma nova verificação das armadilhas, destacando a presença de indivíduos já marcados em comparação com os novos. Este passo é fundamental, pois permite estimar a abundância da população através do chamado método de captura–marcação–recaptura. De forma simples, a comparação entre o número de animais marcados recapturados e o dos novos indivíduos fornece uma indicação da densidade e da distribuição dos predadores na área.

A experiência deste mês no projeto Stop Predators foi extremamente formativa: não só adquiri novas competências práticas no uso de instrumentos como o telescópio de infravermelhos e as armadilhas ecológicas, mas também pude observar de perto as dinâmicas das populações de predadores e a importância de uma monitorização constante para a proteção da biodiversidade local.



English version

During this month, I had the opportunity to collaborate on the Stop Predators project, an initiative aimed at reducing the impact of invasive predators on local ecosystems. The experience was very diverse, combining moments of direct monitoring, night observations, and on-the-ground management activities.

Part of the work was dedicated to maintaining and checking the cameras installed in different sites around the island. These devices are essential for collecting data on predator presence in sensitive areas. We replaced the batteries, checked the functionality of memory cards, and ensured the cameras’ angles were correct, guaranteeing continuous recordings.

One particularly interesting activity was the night census of predators using an infrared telescope. This tool allows animals to be observed in total darkness by detecting body heat, making it possible to identify different species without disturbing them with artificial light.

The field sessions took place in various parts of the island, often with strong winds that made nighttime work more challenging. Nevertheless, the observations were rich and varied: among the predators recorded were ferrets, cats, rabbits, and mice.

The main activity of the month was setting up traps for mice and ants. The mouse traps were prepared with food bait and cotton soaked in water, a measure designed to reduce stress and prevent the mortality of captured animals. The ant traps, on the other hand, were more focused on detecting their presence and monitoring the pressure they exert on the environment.

The day after installation, all traps were checked. The captured individuals, especially mice, were marked in a non-invasive way so they could be recognized in case of recapture. At the same time, we recorded any accidental captures of lizards or other animals, as well as trap activations caused by ants. In the evening, the traps were reset, allowing data collection to continue the following day.

On the third and final day of monitoring, a new check of the traps was carried out, highlighting the presence of previously marked individuals compared to new ones. This step is crucial, as it makes it possible to estimate population abundance through the so-called capture–mark–recapture method. Put simply, comparing the number of recaptured marked animals with that of new individuals provides an indication of the density and distribution of predators in the area.

This month’s experience within the Stop Predators project has been extremely valuable: not only I acquired new practical skills in using tools such as the infrared telescope and ecological traps, but I was also able to closely observe predator population dynamics and the importance of constant monitoring for the protection of local biodiversity.



Valeria Basciu

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Noites de campo com a cagarra: desafios e aprendizagens

 


No início de agosto participei na fase de colocação de dispositivos GPS e GLS em adultos de Calonectris borealis (cagarra). Os GPS-loggers, fixados no dorso, registam posições de alta precisão e permitem mapear áreas de alimentação e trajetórias diárias; os GLS (geolocalizadores), muito mais leves e geralmente aplicados na pata, estimam a posição através dos níveis de luz, fornecendo informações valiosas sobre as rotas migratórias anuais. 

O trabalho de campo decorre quase exclusivamente à noite, quando os adultos regressam ao ninho. A captura manual, a fixação do dispositivo e a libertação seguem protocolos padronizados e devem ser rápidas, para reduzir ao mínimo o stress do animal. É um processo técnico e delicado, mas também fascinante: poucas vezes na minha vida trabalhei num contexto semelhante, sob a Via Láctea ou a lua refletida no mar, com o característico chamamento das cagarras como banda sonora.

Esse som é tão particular que desperta a curiosidade de quem o ouve: muitas vezes, quando falo desta experiência, as pessoas contam-me que o ouviram em noites na Madeira sem saber a que espécie pertencia. Mostram fotografias tiradas durante as suas viagens e ficam surpreendidas ao descobrir que aquele chamamento vem da cagarra. Partilhar este trabalho transforma-se, assim, num verdadeiro instrumento de sensibilização, que abre espaço para o diálogo e para o interesse pela espécie e pelas ameaças que enfrenta.

No final do mês participei na campanha de recovery, que durou duas semanas, com turnos noturnos repetidos para recuperar os dispositivos e verificar os ninhos. Esta é a parte mais difícil: os regressos dos adultos não são sempre previsíveis e, quando os crias morrem, muitas vezes não regressam de todo. Nessas situações perdem-se não apenas as crias, mas também os dados dos loggers. Outras vezes, os adultos regressam mas o dispositivo cai: é frustrante não recuperar dados, mas pelo menos há maior probabilidade de a cria sobreviver e de poder ser acompanhada no futuro através da anilhagem.

Os monitorizações aos ninhos, apoiadas também por câmaras, confirmaram outro grande desafio: a predação por espécies introduzidas, em particular ratos e gatos assilvestrados, que continuam a ser uma das principais causas de perda de crias. É por isso que as atividades de biotracking estão intimamente ligadas ao projeto STOP Predators, que procura reduzir a pressão dos predadores sobre as colónias e melhorar o sucesso reprodutivo da espécie.

Do ponto de vista pessoal, esta experiência foi um verdadeiro desafio. Temia não conseguir lidar com turnos noturnos tão exigentes em terrenos difíceis, mas acabei por descobrir que podia ultrapassar os meus limites tanto que, nos dias sem campo, cheguei a sentir falta dessa rotina noturna. Claro, foi cansativo mudar de ritmo e trabalhar sempre à noite, mas o valor da experiência superou o cansaço. Ter ao meu lado um supervisor experiente deu-me segurança e, apenas observando o seu método de trabalho, aprendi imenso.

Em síntese, o trabalho com Calonectris borealis mostrou-me a força e a fragilidade destes estudos: cada dispositivo recuperado é uma janela aberta para o mar e para a vida destas aves, mas cada perda recorda o quanto a sobrevivência das crias é determinante. É um projeto cientificamente complexo e logisticamente exigente, mas que deixa uma marca profunda também a nível pessoal.





 English version

In early August, I took part in the deployment of GPS and GLS devices on adult Calonectris borealis (Cory’s shearwater). GPS-loggers, mounted on the back, record high-precision positions and allow us to map foraging areas and daily trajectories; GLS (geolocators), much lighter and usually attached to the leg, estimate position through light levels, providing valuable information on long-term migratory routes.

Fieldwork takes place almost exclusively at night, when adults return to their burrows. Capture, tag attachment and release follow strict protocols and are carried out quickly to minimise stress on the bird. It is a technical and delicate process, but also a fascinating one: rarely in my life have I worked in such a setting, under the Milky Way or the moon reflected on the ocean, with the characteristic calls of Cory’s shearwaters echoing in the background.

That call is so unique that it sparks curiosity in anyone who hears it. Often, when I talk about this experience, people tell me they have heard it during nights in Madeira without knowing what species it belonged to. They show me pictures from their trips and are surprised to discover that the eerie sound comes from the shearwater. Sharing this story becomes, in itself, a tool for awareness: it is not only about recounting a personal experience, but about opening a dialogue where people become engaged and want to learn more about the species and the threats it faces.

At the end of the month, I joined the recovery campaign, which lasted two weeks and involved repeated night shifts to retrieve devices and check burrows. This is the hardest part: adult returns are not always predictable, and when chicks are lost, parents often do not return at all. In these cases, not only the chicks but also valuable data are lost. Sometimes adults return but the logger falls off: it is disappointing not to recover data, but at least the chick has a higher chance of survival and can be tracked in the future through ringing.

Burrow monitoring, also supported by cameras, revealed another major challenge: predation by introduced species, particularly rats and feral cats, which remain one of the main causes of chick mortality. This is why biotracking is closely connected to the STOP Predators project, aimed at reducing predator pressure on colonies and improving breeding success.

On a personal level, this experience was a true challenge. I feared I would not be able to cope with demanding night shifts in rough terrain, but I discovered that I could push past my limits to the point that, on days without fieldwork, I almost missed that nocturnal routine. It was tiring to change rhythm and work exclusively at night, but the value of the experience outweighed the fatigue. Having an experienced supervisor by my side gave me confidence and, simply by observing his way of working, I learned a great deal.

In summary, working with Calonectris borealis showed me both the strength and the fragility of these studies: each recovered device is a window into the ocean and into the life of these seabirds, but each loss is a reminder that chick survival is key. It is a scientifically complex and logistically demanding project, but one that also leaves a profound personal mark.




Valeria Basciu

Iluminando o Caminho da Conservação: Ciência, Educação e Ação

 



Nos meses de julho e agosto, colaborei ativamente nas atividades de educação ambiental organizadas pela SPEA, dirigidas a um público diversificado, desde jovens e famílias até adultos e seniores. O principal objetivo destas iniciativas foi promover a consciência sobre a biodiversidade e os principais fatores de pressão sobre os ecossistemas locais, combinando informação científica e atividades práticas. Durante os encontros, a atenção foi direcionada em particular para a biodiversidade noturna e os efeitos da poluição luminosa. Explorámos o papel da luz artificial nos ecossistemas e nas espécies noturnas, como morcegos e mariposas, bem como nas aves marinhas, como a cagarra (Calonectris borealis) e outras espécies endémicas como a alma-negra (Bulweria bulwerii). As atividades incluíram momentos de observação com instrumentos óticos, como lupas e telescópios, acompanhados de explicações sobre estratégias de iluminação sustentável e boas práticas de gestão da luz exterior.

Do ponto de vista técnico, destacou-se como a luz artificial influencia profundamente a fauna noturna. Os morcegos, por exemplo, tendem a evitar áreas excessivamente iluminadas, reduzindo assim as oportunidades de caça e de deslocação; ao mesmo tempo, a acumulação de insetos atraídos pelas luzes artificiais pode alterar as dinâmicas de predação e a disponibilidade de recursos. As mariposas e outros insetos noturnos, fundamentais para a polinização, revelam-se particularmente vulneráveis: desorientados pela iluminação artificial, reduzem a sua eficácia reprodutiva e migratória, com consequências em cascata para todo o ecossistema.

No caso das aves marinhas, o impacto é ainda mais evidente. A cagarra tal como outras espécies nidificantes nas ilhas atlânticas, estão fortemente ameaçadas pela poluição luminosa: os juvenis recém-voados são atraídos pelas luzes costeiras, correndo o risco de colisões com infraestruturas ou de ficarem presos em áreas urbanas. A SPEA documentou que, todos os anos, centenas de indivíduos são resgatados graças a campanhas de sensibilização e monitorização ativa. Este fenómeno, conhecido como fallout, representa uma das principais causas de mortalidade para as aves marinhas em zonas densamente iluminadas.

Paralelamente, as atividades também sensibilizaram para a proteção da biodiversidade insular, com oficinas e jogos educativos destinados a famílias e crianças, concebidos para transmitir a riqueza ecológica dos ecossistemas marinhos e terrestres, as principais ameaças (como espécies invasoras ou a degradação dos habitats) e as ações concretas para a sua conservação. As sessões foram projetadas para estimular a participação ativa de diferentes faixas etárias, promovendo a transmissão de conhecimentos científicos e de comportamentos responsáveis em relação ao ambiente.

Estas experiências contribuíram para reforçar a eficácia das iniciativas, aumentando a consciência dos participantes sobre os vínculos entre ações quotidianas e a proteção da natureza, evidenciando como mesmo pequenas mudanças nos hábitos, como reduzir o uso de luzes exteriores ou orientá-las corretamente, podem ter um impacto significativo na conservação da biodiversidade noturna. O envolvimento das novas gerações revelou-se essencial: sensibilizar crianças e jovens significa investir em cidadãos mais conscientes e responsáveis, capazes de traduzir os conhecimentos adquiridos em comportamentos virtuosos e num compromisso concreto e duradouro com a proteção do ambiente.




English version

In July and August, I actively collaborated in environmental education activities organized by SPEA, aimed at a diverse audience ranging from young people and families to adults and seniors. The main goal of these initiatives was to raise awareness about biodiversity and the main pressures on local ecosystems, combining scientific information with practical activities. During the events, special attention was given to nocturnal biodiversity and the effects of light pollution. We explored the role of artificial light on ecosystems and nocturnal species, such as bats and moths, as well as seabirds like the Cory’s shearwater (Calonectris borealis) and other endemic species such as the Bulwer’s petrel (Bulweria bulwerii). The activities included observation sessions with optical instruments such as magnifying glasses and telescopes, supported by explanations on sustainable lighting strategies and best practices for outdoor light management.

From a technical perspective, it was highlighted how artificial light deeply affects nocturnal fauna. Bats, for example, tend to avoid overly lit areas, reducing their opportunities for foraging and movement; at the same time, the accumulation of insects attracted to artificial lights can alter predation dynamics and resource availability. Moths and other nocturnal insects, which are key pollinators, are particularly vulnerable: disoriented by artificial illumination, they decrease their reproductive and migratory effectiveness, with cascading consequences for the entire ecosystem.

For seabirds, the impact is even more evident. The Cory’s shearwater along with other species nesting on Atlantic islands like the Bulwer’s petrel, are strongly threatened by light pollution: fledglings are attracted to coastal lights, risking collisions with infrastructure or becoming trapped in urban environments. Every year, hundreds of individuals are rescued thanks to awareness campaigns and active monitoring. This phenomenon, known as fallout, represents one of the main causes of mortality for seabirds in highly illuminated areas.

At the same time, the activities also raised awareness of the importance of protecting island biodiversity, through workshops and educational games designed for families and children. These were intended to highlight the ecological richness of marine and terrestrial ecosystems, the main threats, such as invasive species or habitat degradation and concrete actions for their protection. The sessions were structured to encourage active participation across different age groups, promoting the transfer of scientific knowledge and responsible behaviors towards the environment.

These experiences helped strengthen the effectiveness of the initiatives, raising participants’ awareness of the links between daily actions and nature conservation, and showing how even small changes in habits, such as reducing the use of outdoor lights or orienting them correctly, can have a significant impact on the conservation of nocturnal biodiversity. In particular, engaging younger generations proved to be essential: raising awareness among children and youth means investing in more conscious and responsible citizens, capable of transforming the knowledge they acquire into virtuous behaviors and a concrete, long-term commitment to environmental protection.



Valeria Basciu