segunda-feira, 31 de maio de 2021

A Cagarra


O Estudo das Aves marinhas através da vocalização continua, no âmbito do projeto LIFE4Best SMS. Embora o objetivo específico do projeto seja estudar identificar colónias de espécies-alvo (patagarro Puffinus puffinus, pintainho Puffinus lherminieri, roque-de-castro Hydrobates castro e painho-de-monteiro Hydrobates monteroi) (LIFE4Best SMS), somos sempre presenteados com a presença de outras espécies. Neste artigo irei dar destaque a quem nos acompanhou ao longo dos censos noturnos, fazendo companhia nas noites de trabalho: As Cagarras Calonectris borealis.  

Conseguimos escutá-las em colónias muito barulhentas desde o início do anoitecer. Os sons são trinados, duros e secos. Os sons são de notas exageradas, nasaladas ou plangentes, finalizando com um som diferente. “gaooh-ac-gaooh-ac ooh-aah”

A cagarra é uma ave essencialmente pelágica que se alimenta essencialmente de pequenos peixes pelágicos e cefalópodes.

Durante a sua época reprodutora pode ser vista e ouvida em terra, e reproduz-se em praticamente todas as ilhas dos arquipélagos das Berlengas, Açores e da Madeira.

Os seus ninhos localizam-se em fendas nas rochas, sob amontoados de pedras, ou inclusive podem ser cavados pelas aves no solo, sendo raro encontrar ninhos expostos.

Estas aves chegam às áreas de reprodução entre fevereiro e março, e os juvenis abandonam o ninho no início de novembro. Após a época de reprodução, viajam para os seus locais de preferência, predominantemente para o Atlântico Sul. Alguns indivíduos permanecem no Atlântico Norte e outros vão para o Oceano Índico.

Cagarras © Pedro Geraldes


Apesar de serem classificadas pela IUCN com estatuto de conservação pouco preocupante (LC), enfrenta diversos desafios e ameaças:

-Introdução de predadores nas áreas de reprodução;

-Perda de habitat derivado da pressão urbana;

- Poluição luminosa que leva à desorientação das aves (Principalmente juvenis nos seus primeiros voos);

-Captura acidental em artes de pesca (de salientar que esta ameaça é o principal motivador para escrever este artigo). 


Numa noite de censos encontramos uma cagarra vítima de pesca fantasma. Encontrava-se presa por uma linha de pesca e um anzol. Estava emaranhada, enforcada, sem vida e com sinais de ter sofrido até o último momento. A realidade nua e crua em frente aos nossos olhos.





Confesso ter-me sentido triste, derrotado, mas ainda mais importante, senti-me encorajado e determinado a continuar a lutar pela preservação das Aves.

 




A captura acidental, interação com artes de pesca em pequena ou grande escala, continua a ser uma das maiores ameaças para este grupo de aves, grupo este que é o mais ameaçado do Mundo!

Percebi que, apesar de existir uma proteção legal sobre esta espécie e existir uma possível redução na captura acidental, esta ameaça está longe de deixar de ser erradicada.

Cabe-me a mim e a nós todos combatermos esta perda de espécies e de habitat que danifica todo o equilíbrio natural dos nossos ecossitemas.



sexta-feira, 21 de maio de 2021

Observação de aves: BirdNet e Xeno-Canto

Observação de Aves

As aves constituem um excelente indicador do estado de saúde dos habitats e a sua identificação no campo constitui um desafio aliciante. Embora à primeira vista possa parecer algo relativamente fácil, a verdade é que pode ser uma tarefa bastante complexa e que exige alguma paciência.

Antes fazer observação de aves é necessário um estudo prévio das possíveis aves que podem ser observadas em determinado local e altura do ano. É também importante estar atento à meteorologia para obter condições favoráveis e procurar observar aves durante o amanhecer ou o fim da tarde para passeriformes e semelhantes, e horas de mais calor, entre as 10h e as 14h, para as aves de rapina diurnas. No caso das aves marinhas, que apenas visitam a costa durante a noite e na época de reprodução, é possível apenas escutar os seus cantos em noites de pouco vento e baixa luminosidade (luz artificial e lua cheia ou quarto crescente não são favoráveis).

Durante a observação de aves, a primeira preocupação deverá ser distinguir de forma seletiva as aves de acordo com o tamanho, a cor, a forma e silhueta, o comportamento, o canto e chamamentos, o tipo de voo, etc. A identificação deve ser feita de forma imediata, pois regra geral, não há segunda oportunidade. O tipo de voo, planado ou batido, e a forma como se desenrolam (linha reta ou circular) constituem elementos importantes a anotar.

Para auxiliar a observação sugere-se que anote todos os dados de campo num caderno e, claro, não esquecer os binóculos e/ou a câmara fotográfica. Há ainda diversos guias de campo que são muito completos tais como o Guia de Aves de Portugal e da Europa de Assírio e Alvim. Pode comprar este guia, binóculos e muito mais, no site da Spea.

Quando estamos no campo muitas vezes ouvimos o canto das aves e não as conseguimos observar. Algumas são realmente difíceis de distinguir. O aconselhável, em caso de dúvida na identificação, é a gravação dos cantos para posterior inserção em plataformas online tais como o BirdNet e o Xeno-Canto, explicados de seguida.

BirdNet

Para ajudar ornitólogos experientes ou cientistas cidadãos no seu trabalho de monitorizar e proteger as aves, foi criada uma plataforma de pesquisa que reconhece qual a espécie de ave através do seu canto através de um software de reconhecimento de ficheiro áudio: o BirdNet.

É possível assim identificar uma espécie facilmente sem ter de a observar. A aplicação encontra-se disponível para o telemóvel ou pode fazer upload das faixas sonoras na página web em https://birdnet.cornell.edu/api/. Veja como funciona:



Xeno-Canto

O Xeno-canto é um website de partilha dos cantos de aves selvagens com o objetivo de popularizar as gravações dos cantos globalmente, melhorar a acessibilidade dos sons e aumentar o conhecimento sobre os mesmos, contribuindo para uma melhor educação, conservação e para a ciência em geral. Qualquer pessoa pode contribuir com gravações e é fácil explorar por taxonomia ou região, ou até contribuir com a identificação dos cantos submetidos.

Saiba mais em www.xeno-canto.org.

Após fazer observação de aves, não se esqueça de inserir as espécies no eBird em https://ebird.org/home e contribuir para aumentar a informação online sobre aves e a sua distribuição mundial.

domingo, 16 de maio de 2021

Lixo e Pandemia

 

Ultimamente tenho andado no terreno e a experiência tem sido espetacular. Tenho encontrado uma grande diversidade de Reino Animal e Vegetal. Para além disso, tenho encontrado também LIXO, resíduos esses fruto de uma má gestão e utilização. Inevitavelmente está em todo o lado. Os comportamentos irresponsáveis e os nossos hábitos de consumo trouxeram o lixo como consequência. Esta preocupação não é de todo uma novidade (Lixo na Praia; Plásticos no Mar; Pesca na Madeira).

A problemática e o impacto do lixo desafia ecossistemas e sociedades inteiras ao longo das últimas centenas de anos. Este desafio, todavia, é uma prioridade, só que com novas regras. O mundo parou devido à pandemia covid-19 e urge agora a necessidade do uso de equipamentos de proteção individual e de produtos de uso único.

Desde há algum tempo que tenho observado todos os dias máscaras, outros tipos de equipamentos de proteção individual e produtos de utilização única, seja no meio urbano, no seio da Floresta, e nos ecossistemas costeiros. Um pouco por toda a ilha.



Materiais como luvas, máscaras ou copos descartáveis podem, por exemplo, ser facilmente perdidos, levados pelo vento ou descartados intencionalmente. Estes materiais acabam, a maior parte das vezes, por ser encontrados no meio da Natureza.

A titulo de exemplo: Em Portugal somos 10 milhões de habitantes. Se utilizarmos máscaras descartáveis utilizadas por períodos de 4 horas, isto significa que, se eu estiver 8 horas fora de casa deverei usar duas máscaras por dia. E se assumirmos que desses 10 milhões, 8 são adultos ou com idade de usar máscara, rapidamente chegamos aos 16 milhões de máscaras por dia. Isto é, se todos usássemos mascaras descartáveis segundo as recomendações, diariamente teríamos 16 milhões de máscaras no lixo.


Isto levanta a quetão: para onde vão estes 16 milhões de máscaras diárias? Não sei se as entidades gestoras de resíduos conseguem lidar com este volume a longo prazo. E isto sem contar com todas as mascara que são perdidas, indo com o vento por serem leves. E estamos apenas a falar das máscaras, não estamos a considerar luvas, viseiras e os milhões de novos plásticos utilizados nas embalagens de álcool gel, nem nas embalagens das seringas que irão e estão a ser utilizadas na vacinação. Provavelmente só daqui a uns bons anos é que estaremos prontos para avaliar o impacto que esta pandemia teve na natureza.




Tivemos de voltar a utilizar produtos em que, ao longo dos últimos anos, estiveram a ser implementadas medidas para restrigir ou diminuir o uso desses mesmos produtos.

Todos os esforços realizados a nível de legislação para conter um pouco a utilização dos produtos de uso único, podiam estar em causa devido à pandemia. O aumento de produção e utilização destes produtos em prol da segurança, não deveriam pôr em causa os esforços que se estiveram a fazer nos últimos anos para combater a presença de plásticos e outros resíduos no ambiente. 



Claro que os equipamentos de proteção individual não podem ser reduzidos por questões de segurança, nem devem ser tratados de forma indiferente. Estes podem estar infetados e colocar em causa a nossa segurança.

A ideia não é parar de utilizar máscaras, luvas, ou outros materiais descartáveis (toalhas de papel, copos e talheres descartáveis) em cenários em que é necessário. Se é necessária a utilização de produtos de utilização única para defender a saúde publica, estes devem ser usados. Mas não devem ser utilizados sem haver o acompanhamento de medidas de proteção para o meio ambiente. E quais são essas medidas? As soluções passam por vários cenários. Desde a sensibilização e responsabilização individual, até à criação de medidas adequadas para a reciclagem, a remoção desse lixo ou tratamento do mesmo. Urge a necessidade de enquadramento legal e regulamentação que prevejam que todo este equipamento de proteção individual e produtos de utilização única tenham o devido certo.


sexta-feira, 7 de maio de 2021

Aves Migratórias no Arquipélago da Madeira

No início de março de 2021, a Madeira e Porto Santo receberam alguns visitantes inesperados devido aos fortes ventos de leste. Algumas aves migradoras visitaram o nosso arquipélago para repousar por uns dias, e depois voltar à sua rota migratória após dias de muito vento que afetaram as suas rotas habituais. Anualmente, pela altura da primavera e outono, dá-se a migração de muitas espécies de aves. Os mais curiosos, e com sorte de estar no lugar certo à hora certa, conseguem observar e até fotografar estas aves.

Foram vários os registos de aves de rapina como a coruja-do-nabal (Asio flammeus), a águia-sapeira ou tartaranhão-ruivo-dos-pauis (Circus aeruginosus), a águia-caçadeira ou tartaranhão-caçador (Circus pygargus), o tartaranhão-rabilongo (Circus macrourus), o milhafre-preto (Milvus migrans) e o falcão-peregrino (Falco peregrinus).

Tartaranhão-ruivo-dos-pauis (Circus aeruginosus), coruja-do-nabal (Asio flammeus) e tartaranhão-rabilongo (Circus macrourus)

 

As andorinhas foram observadas em bandos, a andorinha-dáurica (Cecropis daurica), a andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica), a andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) e andorinha-das-barreiras (Riparia riparia). Também foi observado o andorinhão-real (Apus melba).

Andorinha-dáurica (Cecropis daurica) e andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica). Foto por: Henrique Lino (Porto Santo)

Houve ainda outros tipos de aves como o pintarroxo-comum (Linaria canabina), a felosa-musical (Phylloscopus trochilus), o picanço-barreteiro (Lanius senator), o pardal-francês (Petronia petronia), o trigueirão (Emberiza calandra), o abelharuco (Merops apiaster) e algumas limícolas como o fuselo (Limosa lapponica) e o borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula).


Pardal-francês (Petronia petronia) e borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula)

Ocorrem outras aves que surgem esporadicamente durante todo o ano, principalmente em sítios propícios como a Ponta de São Lourenço, a Ponta do Pargo e o Porto Santo.


🎧A nossa coordenadora da Spea Madeira, Cátia Gouveia, foi convidada a falar na Antena 1 Madeira sobre o assunto. Oiça aqui.

 

De recordar que, no nosso arquipélago, as espécies de rapinas nidificantes são quatro:

🐦 o fura-bardos (Accipiter nisus granti)

🐦 a manta (Buteo buteo harterti)

🐦 o francelho (Falco tinnunculus)

🐦 e a coruja-das-torres (Tyto alba schmitzi) - sendo esta a única rapina noturna



E não temos andorinhas nidificantes, mas sim andorinhões:

 🐦o andorinhão-da-serra (Apus unicolor) – endémico da Macaronésia

 🐦o andorinhão-pálido ou andorinhão-do-mar (Apus pallidus)


Andorinhão-da-serra (Apus unicolor)