Após uma longa “invernada”, estou de volta à SPEA, desta vez no âmbito do programa Estágio de Verão promovido pela Secretaria Regional da Juventude. Pelo que hoje venho vos falar de uma das minhas aves favoritas.
Com a chegada do verão, é chegada a altura da reprodução, logo é também iniciada nesta época a prospeção de ninhos de aves marinhas. Na Região Autónoma da Madeira existem 8 aves marinhas nidificantes, todas com um valor biológico inegável, mas neste artigo, tal como o título sugere, o destaque é para a Cagarra, Calonectris borealis.
Os trabalhos passam pela prospeção de ninhos, anilhagem científica dos progenitores e descendentes, e ainda a instalação de GPS-Loggers. Sobre a metodologia de prospeção de ninhos e instalação de GPS, pode saber mais aqui Prospeção de ninhos 2021, aqui Prospeção de ninhos 2022 e aqui Instalação de loggers.
O fascínio e o estudo das cagarras não é de todo algo novo. Ao
longo de várias décadas, esta ave tem sido observada e estudada.
Em 1901, num artigo publicado no Cosmo pelo ornitólogo Padre Ernesto Schmitz, podemos ler que a cagarra é a principal riqueza das Selvagens. Numa altura em que a caça à cagarra era legal e eram aniquiladas 20 a 22 mil cagarras anualmente, ele estimou a população em 60 000 indivíduos, “porque cada Cagarra põe apenas um ovo por ano, e é necessário haver pelo menos 40.000 para uma reprodução anual de 20 mil. Em parte alguma do mundo existe tamanho número de Cagarras”.
Na obra do Padre Eduardo Clemente Nunes Pereira, as Ilhas de Zarco, cuja 1ª edição fora lançada em 1926, podemos ler: “(…) fazem a postura anual, demorando-se em bando o tempo necessário para levar consigo a nova prole. Aninham-se acasaladas em recantos de rocha (…); algumas recolhem-se na entrada de tocas de coelhos (…); outras em pequenas cabanas armadas de pedras (…). Mas umas e outras habitações são respeitadas e reconhecido o direito de inquilínato por toda a colónia. “
Na mesma obra é possível ler sobre o compromisso parental entre os progenitores: “A grande postura vai de fins de maio até princípios de Junho. O ovo de cada casal é chocado alternadamente pela fêmea e pelo macho, não faltando nem um nem outro ao cumprimento deste dever doméstico e chegando sempre a horas para ocupar o seu posto. O que fica livre da tarefa segue o rumo do mar à busca de pesca, tendo à noite, na volta, uma recepção afável e festiva com manifestos sinais de enternecido acolhimento.” E ainda sobre a sua interação com o homem: “(…) são tão mansas que é preciso ter o cuidado de afastá-las para não as pisar. Seguem o homem familiarmente e dormem com ele dentro das suas improvisadas cabanas. Deixam-se pegar à mão pelas pontas das azas cruzadas sobre a cauda. (…) não estranham a visita dos habitantes fortuitos das llhas, que não temem, defendendo a golpes de bicada a postura sem abandonarem o ninho (..). Qualquer tentativa para obrigar uma Cagarra a chocar dois ovos é frustrada pela unitilização do ovo intruso, a não ser que a mistura dos dois a faça perder a noção do que é seu, aceitando-os então pelo instinto maternal. Mas irritam-se e reagem fortemente se alguém, abusando da sua boa fé e familiaridade, colher o ovo para o subtrair à incubação.”
Apesar de parecer uma história retirada de um livro de aventuras, a época reprodutiva para as cagarras é rigorosa. Na pré-postura após encontrar ou escolher o parceiro, acasalam, preparam a postura e defendem os ninhos. No período em que é necessário alimentar as crias, os progenitores fazem viagens frequentes para o mar à procura de alimento. Este investimento tem custos energéticos que podem variar ao longo da época reprodutiva. Isto, sem falar em todas as ameaças transversais que existem nas idas e vindas da captura de alimentos.
Distante dos trabalhos feitos no século passado, o nosso trabalho tem passado por avaliar o estado de conservação, aumento do conhecimento dos movimentos migratórios e de alimentação durante a época reprodutiva. A recolha destas informações permitirá identificar zonas mais sensíveis, onde medidas redutoras de poluição luminosa serão uma prioridade.
Sabemos que a poluição luminosa afeta as aves marinhas, e assim
queremos reduzir os efeitos nocivos da iluminação artificial, estas recolhas de
dados são realizadas no âmbito do projeto LIFE Natura@night e
pretende salvar milhares de aves marinhas na macaronésia.
Para concluir, estarei este verão a contribuir ativamente nesta
recolha de dados, vivenciando a vida fantástica da cagarra, e admirando a sua
capacidade de vencer adversidades, a sua lealdade e seu compromisso parental.
The mysterious life of Calonectris borealis
After a long "winter", I'm back to SPEA, this time as
part of a Summer Training Course promoted by the Regional Secretariat for
Youth. So today I come to tell you about one of my favorite birds.
With the arrival of summer, it is time for reproduction, so it is
also at this time the prospection of seabirds' nests. In the Autonomous Region
of Madeira, there are 8 breeding seabirds, all with an undeniable biological
value, but in this article, as the title suggests, the highlight is for the
Cory's Shearwater, Calonectris borealis.
Foto: Tiago Dias |
The work includes the prospection of nests, scientific ringing of the parents and offspring, and also the installation of GPS-Loggers. About the methodology of a survey of nests and installation of GPS, you can learn more here Nest Survey 2021, here Nest Survey 2022, and here Installation of loggers.
The fascination and study of the shearwaters is not at all
something new. Over several decades, this bird has been observed and studied.
In 1901, in an article published in Cosmo by the ornithologist
Father Ernesto Schmitz, we can read that the shearwater is the main wealth of
the Selvagens. At a time when Cory's Shearwater hunting was legal and 20,000 to
22,000 shearwaters were killed annually, he estimated the population at 60,000
individuals, "because each Cory's Shearwater lays only one egg a year, and there
must be at least 40,000 for an annual reproduction of 20,000. Nowhere else in
the world is there such a large number of Cory's Shearwater."
In Father Eduardo Clemente Nunes Pereira's work, the Zarco
Islands, whose first edition was published in 1926, we can read: "(...) they lay annually,
remaining in flocks as long as necessary to take the new offspring with them.
They nest in rocky corners (...); some gather at the
entrance of rabbit burrows (...); others in
small huts armed with stones (...). But both dwellings
are respected and the right of tenancy is recognized by the whole colony.
"
In the same work, it is possible to read about the parental
commitment between the parents: "The great laying
period goes from the end of May to the beginning of June. The egg of each
couple is hatched alternately by the female and the male, neither one nor the
other failing to fulfill this domestic duty and always arriving on time to take
up his post. The one that is free from this task heads out to sea in search of
fish, receiving an affable and festive welcome on its return in the evening,
with obvious signs of a tender welcome". And still on their
interaction with man: "(...), they are so tame
that one must be careful not to step on them. They follow the man familiarly
and sleep with him inside their improvised huts. They let themselves be held by
hand by the tips of their wings crossed over their tails (...) they are not
surprised by the visit of the fortuitous inhabitants of the islands, who are
not afraid of them, defending the nest with pecks without leaving it (...). Any attempt to force
Cory's Shearwater to hatch two eggs is frustrated by the unitilization of the
intruding egg, unless the mixture of the two makes it lose the notion of what
is hers, accepting them by maternal instinct. But they become irritated and
react strongly if someone, abusing their good faith and familiarity, harvests
the egg to subtract it from incubation."
Despite sounding like a story taken from an adventure book, the reproductive season for shearwaters is rigorous. In the pre-lay period, after finding or choosing a mate, they mate, prepare for laying and defend their nests. During the period when it is necessary to feed the young, the parents make frequent trips to the sea in search of food. This investment has energy costs that may vary throughout the reproductive season. This, without mentioning all the transversal threats that exist in the comings and goings of the food capture.
Far from the work done in the last century, our work involves
assessing the conservation status and increasing knowledge of migratory and
feeding movements during the breeding season. Gathering this information will
allow us to identify more sensitive areas, where measures to reduce light
pollution will be a priority.
We know that light pollution affects seabirds, and so we want to reduce the harmful effects of artificial lighting, these data collections are carried out as part of the LIFE Natura@night project and aim to save thousands of seabirds in Macaronesia.
To conclude, I will be actively contributing to this data
collection this summer, experiencing the amazing life of the shearwater, and
admiring their ability to overcome adversity, their loyalty, and their parental
commitment.
Sem comentários:
Enviar um comentário